A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou nesta semana o relatório Conflitos no Campo Brasil, que apontou o maior número de conflitos no campo desde o primeiro levantamento, em 1985. A 38ª edição revelou que, em quase quatro décadas acompanhando os dados de violências ligadas a questões agrárias no país, também houve o aumento no número de vítimas de violência, violência contra indígenas e mulheres.
Ao total, foram registrados 2.203 conflitos em 2023, 7,46% maior que o ano anterior, que registrou 2.050 casos. O relatório foi dividido em três eixos principais: terra, água e trabalho. A maioria das ocorrências registradas foram por terra, com 1.724 casos, seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural, com 251 casos e conflitos pela água, com 225.
Desse total, foram 950.847 pessoas envolvidas, na disputa por quase 60 milhões de hectares (exatos 59.442.784 ha), em todo o Brasil. O número de pessoas é 2,8% maior em relação às 923.556 envolvidas em 2022, no entanto, a área em disputa é 26,8% menor do que os pouco mais de 81 milhões de hectares disputados no mesmo período de comparação.
Em todos os eixos, há a categoria violência contra a pessoa, com informações para os indivíduos diretamente afetados nos territórios. Foram 554 ocorrências, que afetaram 1.467 pessoas. Representando o terceiro maior número de casos nos últimos dez anos, se comparado ao ano anterior, houve um aumento de 36,4% no número de vítimas e uma redução de 1,2% nos números total de ocorrências.
A construção do relatório Conflitos no Campo Brasil é feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC), a partir do trabalho de agentes pastorais da CPT, lotados nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais de todo o Brasil, além de reunir as informações de apuração de denúncias, documentos e notícias, ao longo do ano.
Quando direcionado ao perfil das maiores vítimas, são os indígenas que ocupam a etnia mais atingida, foram 25,5% do total de pessoas vitimadas em 2023. Em seguida, estão os pequenos proprietários com 20,3%, os sem terra com 20,1%, os posseiros com 13,5%, os quilombolas com 3,9%, e os seringueiros com 3,75%.
Chama atenção o aumento de 81,7% em relação a 2022 nos casos dos pequenos proprietários. De acordo com o documento, isso aconteceu por causa da contaminação por agrotóxico em Belterra, no Pará. Os seringueiros também tiveram um aumento expressivo de 5.400% nos números de ocorrências, passando de 1 pessoa em 2022, para 55 no ano passado.
O relatório considera diferentes tipos de violência contra as pessoas. A de maior incidência foi a contaminação por agrotóxico, com 21 ocorrências e 336 pessoas vitimadas, representando um aumento de 74% em relação a 2022. A segunda com mais vítimas foi a ameaça de morte, com 218 pessoas e um aumento de 4,3% em relação às 209 registradas no ano anterior.
Em terceiro lugar estão os casos de intimidação que somam 194 pessoas vitimadas e um aumento de 41,6% nos registros. Em seguida, os casos de criminalização com 160 vítimas, detenção com 135 vítimas, agressão com 115 vítimas, prisão com 90 casos e de cárcere privado com 72 vítimas.
Apesar do número crescente de vítimas de violência contra a pessoa e de conflitos no campo, o número de assassinatos em conflitos caiu 34% se comparado ao ano anterior, foram 31 vítimas em 2023 contra 47 em 2022. Destas, 14 eram indígenas, nove eram sem terra, quatro eram posseiros, três eram quilombolas e um era funcionário público. O estudo aponta que a violência contra os indígenas começou a crescer exponencialmente a partir de 2016 e, a partir de 2019, eles se tornaram asmaiores vítimas desse tipo de violência.
Mulheres na mira da violência
Considerando o recorte de gênero, é possível identificar que também houve uma crescente de casos de violência contra as mulheres: das quase 1.500 pessoas que sofreram algum tipo de violência, foram identificadas 180 mulheres, um aumento de 25% em relação a 2022. Entre elas, as indígenas foram as maiores vítimas, com 41,1% dos casos registrados, seguidas pelas sem terra com 13,3%, posseiras com 13,3%, assentadas com 9,4% e quilombolas com 8,3%.
Os assassinatos aumentaram em 16,7% em relação ao ano anterior, com 7 mortes em 2023. Acompanhando a linha dos dados gerais, as indígenas também foram as maiores vítimas fatais, com quatro casos, seguidas por uma posseira, uma sem terra e uma quilombola – Mãe Bernadete Pacífico, liderança e ialorixá executada a tiros no Quilombo de Pitanga dos Palmares (BA), em 17 de agosto de 2023, em um caso que repercutiu em todo o país.