O mangue é minha casa. O mangue tem o meu cheiro. Se o mangue morrer, eu morro junto com ele, essa frase foi dita pela marisqueira Gilsa Maria Silva, de Aracaju (SE), enquanto compartilhava as dores enfrentadas durante o derramamento de óleo que aconteceu em 2019, em uma roda de conversa a bordo do navio Rainbow Warrior (Guerreiro do Arco-Íris, em português). A embarcação da organização internacional Greenpeace está atracada no Porto do Recife, desde o início da semana.
A roda de conversa aconteceu na quarta-feira, 3 de dezembro, com lideranças da pesca artesanal de diferentes estados do nordeste que estiveram no navio para compartilhar suas vivências em defesa dos territórios pesqueiros e “maretórios”, termo criado pela comunidade pesqueira que define o território das marés, ou seja, o espaço de terra e mar como manguezais, estuários e praias. A discussão girou em torno das consequências do derramamento de óleo que aconteceu em todo litoral brasileiro em 2019 e, segundo os participantes do evento, deixaram marcas que, até hoje, afetam as comunidades pesqueiras.
De acordo com os participantes, o impacto do derramamento de óleo ainda se refletem na subsistência das famílias que vivem da pesca. Sumiram as clientelas, os comerciantes também deixaram de comprar e os problemas de saúde apareceram aos montes.
Edilson Xavier, pescador da Colônia Z-5, de Tamandaré, no litoral Sul de Pernambuco, esteve na linha de frente na coleta do petróleo derramado no mar naquela época e desenvolveu problemas de pele graves. Além da doença, também enfrentou o preconceito do médico local, que ignorou suas queixas e sintomas. Eu trabalhei de 5 da manhã à 5 da tarde no mar, contendo óleo com os tambores que o Ibama cedeu pra gente. E uns 15 dias depois eu fiquei todo estourado, andando de ponta de pé, contou.
O Rainbow Warrior atracou em Recife após passar três semanas atracado em Belém para a COP30, na intenção de pressionar os líderes globais por ações efetivas para proteger as florestas, os oceanos e o clima. Neste final de semana, nos dias 6 e 7 de dezembro, o navio estará aberto para visitações públicas, das 9h às 16h, no Terminal Marítimo de Passageiros Nelcy da Silva Campos, no porto do Recife. Da capital pernambucana, a tripulação segue para o Rio de Janeiro.
Inaugurado em 2011, este é o primeiro navio, entre os três da frota do Greenpeace, construído do zero considerando padrões ambientais. De acordo com a equipe da organização, a embarcação é híbrida, possui cinco velas, além do motor elétrico e de combustível, o último utilizado em raras situações. A tripulação do Greenpeace é composta por 17 pessoas, 15 delas da organização e dois voluntários, atualmente são 12 nacionalidades diferentes.
Quase que por unanimidade, as lideranças presentes falaram de falta de assistência, seja médica, seja financeira, seja por reparação dos danos ao território. Andrea Rocha do Espirito Santo, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras e coordenadora da campanha Mar de Luta, uma iniciativa em defesa da pesca e do seus povos, que foram invisibilizados no processo do derramamento de petróleo, conta que a campanha atua na busca pela reparação integral e socioambiental que o crime causou.
O meio ambiente não se recuperou, a vida das pessoas não se recuperou. E esse crime caiu no esquecimento. A gente não tem o resultado das investigações, o resultado do processo, de quem causou isso e muito menos a dimensão da justiça. Quem causou esse crime precisa pagar por isso, precisa ser responsabilizado, afirmou a coordenadora.
Um dos grupos de trabalho da Campanha também trabalha com a incidência política e jurídica que atua com o Governo Federal e órgãos de justiça para pautar as reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras da pesca. Mas, até o momento, não houve um retorno positivo.
O olhar pra capital
Durante o encontro, Edson Fly, jornalista e cofundador do Coletivo Caranguejo Uçá, localizado no território pesqueiro Ilha de Deus, em plena capital pernambucana. Fez o alerta para descaracterização da cidade como um “maretório”. Ele destaca que os espaços ocupados por empreendimentos como o Porto do Recife, o Novo Hotel e o Cabanga Iate Clube, representam ameaças constantes às comunidades pesqueiras artesanais, provocando processos de privatização das águas e descaracterização dos territórios.
Para ele, a pesca artesanal enfrenta forte pressão e precisa de atenção especial, já que se trata de uma atividade que carrega tecnologias e riquezas ancestrais. “Por mais que a gente queira reportar coisas massas que acontecem, a única coisa, sinceramente, positiva que acontece, que deve ser exaltada, é a luta das companheiras e dos poucos companheiros da pesca artesanal. Porque quando se trata de políticas públicas, quando se trata de projetos de desenvolvimento e quando se trata de espaços ou territórios a serem sacrificados, são sempre os nossos territórios”, avalia.
Lideranças pesqueiras contaram como óleo derramado continua a afetar as comunidades
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroDo Morro ao Mar
A atividade fez parte da campanha Do morro ao mar: justiça climática pras comunidades que resistem, que tem percorrido diferentes cidades do Brasil discutindo justiça climática com quem vive em territórios pesqueiros vulneráveis. Mariana Andrade, coordenadora da frente de oceanos do Greenpeace, explicou a importância de debater a justiça climática com moradores e moradoras das periferias urbanas, das encostas e da beira-mar por eles serem os primeiros a sentirem os impactos dos desequilíbrios ambientais, mas os que pouco contribuem para o agravamento da crise climática.
A gente viu a necessidade de identificar ainda mais essa proximidade para escutar o que está acontecendo nos territórios. Esse pessoal vem carregado de muitas lutas, são lutas de diferentes lugares, são lutas parecidas, mas são sempre lutas. E uma luta contra uma expansão de diferentes tipos de indústrias que ameaçam esses territórios e ameaçam a sobrevivência, a saúde e os modos de vida dessas pessoas, explica Mariana.
Mariana também aponta que hoje, uma das principais causas do greenpeace é impedir o avanço da indústria de petróleo na foz do Amazonas, que se for realmente instalada, vai afetar todos os territórios que possuem influência das águas. A gente sabe que mesmo a foz do Amazonas parecendo tão distante, não é desconectada de nenhuma dessas lutas. Então quando a gente fala disso, a gente também está falando de uma luta do pessoal do Nordeste, do pessoal do Sudeste que já enfrenta o avanço da indústria do petróleo em diferentes níveis, conta.
Mulheres das Águas
No mesmo dia (02) em que a embarcação internacional chegou ao Recife, o Ministério da Saúde e o Ministério da Pesca e Aquicultura lançaram, em Itapissuma, no litoral norte pernambucano, a estratégia Mais Saúde para as Mulheres das Águas, voltada ao fortalecimento do cuidado e do acesso à saúde de pescadoras artesanais, ribeirinhas e populações costeiras e marítimas.
A cerimônia contou com a presença da primeira-dama Janja Lula da Silva, do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e do ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula. A iniciativa atende a uma reivindicação histórica dessas comunidades, apresentada à primeira-dama em agosto de 2025, durante visita à Colônia Z-10.
Segundo Janja, a ação representa o resgate de uma pauta de luta de cinco décadas das mulheres das águas. Já o ministro Alexandre Padilha destacou que as necessidades de saúde em territórios como Itapissuma são distintas das de grandes centros urbanos, defendendo equipes adaptadas à realidade local, com médicos, enfermeiros e agentes comunitários preparados para atender às demandas específicas das trabalhadoras das águas.
De acordo com o Ministério da Saúde, o investimento no programa será realizado de forma progressiva. Em 2026, estão previstos R$ 33,8 milhões para a alteração da tipologia de 72 equipes de Saúde da Família Ribeirinha. Nos anos seguintes, com o credenciamento de novas equipes, o montante poderá ultrapassar R$ 260 milhões até 2028, direcionados à contratação de mais profissionais, estrutura e cuidado às comunidades atendidas.
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