Cactos, imagens de Luiz Gonzaga, Lampião e Maria Bonita decoram as paredes. Do teto, pendem guarda-chuvas coloridos, lembrando o Bar do Cuscuz, tradicional na Paraíba. A cena, porém, está longe do sertão: acontece em plena Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, na zona sul da capital.
É nesse cenário que funciona o Forró da Priscila, casa de shows criada por Maria Aparecida Prudêncio da Silva, 37, apelidada de Priscila pelo irmão ainda na infância e conforme é conhecida por todos.
“Meu irmão dizia que Priscila era nome de princesa. Pegou”, brinca a empreendedora, que é devota de Nossa Senhora Aparecida. Nascida em 12 de outubro, ela leva no registro o nome da padroeira do Brasil.
Prestes a completar 19 anos, o local se tornou referência da cultura nordestina e um dos maiores negócios do tipo na capital paulista.
Cerca de 3 mil pessoas frequentam a casa por final de semana @Léu Britto/ Agência Mural
Priscila começou a empreender em uma barraca improvisada, em frente a obras no entorno do Morumbi, onde vendia lanches a operários da construção civil. Hoje, com 500 m² e capacidade para 1.500 pessoas, sua casa de shows recebe mais de 3.000 clientes por semana. “Cerca de 40% vêm de fora da comunidade, a maioria migrantes e filhos de nordestinos”, afirma.
Além de dançar forró ao som de artistas famosos como Toque 10, Companhia do Calypso e Moleca Sem Vergonha, os frequentadores saboreiam caldos de mocotó, quenga e cachaças típicas da região nordeste.
“Sonho em montar um centro nordestino 24 horas em Paraisópolis, com espaço kids e atendentes vestidos de Lampião e Maria Bonita”
A inspiração vem do CTN (Centro de Tradições Nordestinas), um dos maiores espaços voltados à cultura nordestina no Brasil. Fundado em 1991 na zona norte de São Paulo, reúne quiosques, restaurantes típicos, igreja, parque e espaço de shows, atraindo mais de um milhão de visitantes por ano.
Raízes
O primeiro destino da mãe de Priscila, migrante nordestina, foi o Rio de Janeiro, para onde se mudou grávida de apenas dois meses. Deixou a Paraíba em busca de oportunidades, mas, sem perspectivas, acabou voltando ao estado natal, onde registrou o nascimento da filha.
Cinco anos depois, na década de 1990, a família decidiu tentar a vida em outro lugar. Subiram em um pau de arara e se estabeleceram em um barraco de madeira alugado em Paraisópolis
“A gente não sofreu tanto impacto porque tinha muita gente da Paraíba por aqui. Todo mundo falava a língua do nosso ‘país Nordeste’”
PARAISÓPOLIS EM NÚMEROS
A maior favela de São Paulo, e terceira do Brasil, tem oficialmente mais de 58 mil habitantes, mas estima-se que ultrapasse 100 mil, em cerca de 21 mil casas. Com 8 mil comércios distribuídos em uma área do tamanho de 97 campos de futebol, a comunidade é formada majoritariamente por migrantes nordestinos e seus descendentes, que representam cerca de 85% da população.
Priscila lembra que, na época, Paraisópolis ainda tinha cara de zona rural. Parecia um grande sítio, com plantações de frutas como abacaxi, criação de gado, rodeios e parquinhos. Essas lembranças marcaram sua infância e despertaram o desejo de empreender em algo que resgatasse a nostalgia nordestina.
Desde cedo, aprendeu com os pais a vender comida nas portas de obra. Aos 11 anos, já ajudava com bolos e salgados.
Como empreendimentos da construção demoravam anos para ser concluído, muitos trabalhadores vinham do nordeste com contratos temporários e se alojavam nos próprios canteiros. Com o tempo, acabam se estabelecendo nas comunidades, como Paraisópolis.
Priscila começou a empreender com a venda de salgados na porta de obras de construções civis @Léu Britto/ Agência Mural
Foi ali que Priscila enxergou uma oportunidade de dar forma ao seu sonho. Começou a oferecer churrasco e cerveja ao fim do expediente, sempre com um forró tocando em uma caixa de som simples, especialmente aos fins de semana.
Aos 18 anos, conseguiu montar seu primeiro bar dentro da favela e atrair ainda mais o público nordestino.
“Eu servia sarapatel, buchada, caldo de mocotó, garrafada… tudo que remetia às nossas raízes. Acho que isso gera identificação”, afirma.
Alugou o comércio de uma concorrente. O espaço era minúsculo e mal comportava ela, um freezer e uma pia. Ainda assim, passou a organizar shows em uma quadra próxima ao Terminal João Dias, também na zona sul da capital, e, depois, dentro da própria comunidade, reunindo mais de mil pessoas por evento.
“Saía vendendo ingresso, fazia divulgação com carro de som. Fiz isso por 12 anos, sempre acreditando no sonho de ter meu próprio comércio aqui na comunidade”