Com um conteúdo patrocinado no Instagram, a Prefeitura do Recife se vangloria de ter dobrado o número de vagas em creches da rede municipal, no que os publicitários chamam de “crechebilidade”. Realmente, o número de vagas foi mais que duplicado, em relação ao período em que o prefeito João Campos (PSB) assumiu a prefeitura do Recife. Em 2021, o número era 6.439 para toda a rede. Hoje, são mais de 13,5 mil vagas na rede.
No entanto, a qualidade dessas vagas e das creches da rede têm sido questionadas por mães, pais, adultos responsáveis e pelo Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Recife (Simpere). Para chegar a esse número, o programa Infância na Creche, investiu R$ 150 milhões e realizou aproximadamente 200 obras de forma simultânea.
O programa também prevê “construção de novas creches com foco na expansão na infraestrutura própria; ampliação e requalificação de unidades já existentes; parcerias com instituições sem fins lucrativos, atuando em conjunto com unidades comunitárias vinculadas a ONGs, Fundações e Cooperativas Educacionais; e projeto de parceria público privada (PPP), que vai viabilizar a construção de novas creches”.
Essas obras, entretanto, estariam atrapalhando o pleno funcionamento das unidades e a rotina das crianças. Para a professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Evelyne Medeiros, que tem um filho de dois anos matriculado na Creche Municipal CEAPE, no Engenho do Meio, o desejo de conseguir uma vaga virou frustração. A instituição está passando pela reforma de duas salas que, de acordo com a professora, deveria ter acabado há um ano, antes mesmo do filho dela ser matriculado.
O fato leva a uma solução curiosa, para dizer o mínimo: aulas remotas para bebês.
Os pais são orientados a colocar vídeos e trabalhar algumas atividades em casa. O que foge do sentido da creche que é um equipamento público essencial no desenvolvimento em todos os aspectos, emocional, cognitivo, físico e social, além de possibilitar que pais e responsáveis consigam trabalhar e dar conta das demandas da vida adulta sabendo que o filho está em um espaço seguro.
“As professoras passam atividades para que os pais desenvolvam com as crianças dentro de casa e exigem que tirem fotos dessas atividades para que conte como frequência. Eu fiquei impressionada com isso, porque existe todo um debate em relação ao sentido pedagógico de aulas remotas, principalmente para bebês”, afirma Evelyne.
Só neste mês de maio, foram 16 dias sem aula na creche do Engenho do Meio, mas há a promessa de conclusão dos serviços ainda essa semana. “Que decepção, né? Porque é muito difícil, eu fico imaginando as mulheres que não tem outras alternativas, não têm sequer condições de ter apoio de qualquer pessoa”, lamenta a professora. No caso dela, divide o tempo com o marido e, quando necessário, pagam um hotelzinho particular.
A história se assemelha a de outras mães da mesma creche. Na região de Engenho do Meio, estão muitas mulheres que trabalham ou estudam na UFPE, enfrentando o desafio de estudar, trabalhar e cuidar da maternidade. É o caso da biomédica Ana Carla Silva, que atualmente está finalizando o doutorado pelo programa de Biociências e Biotecnologia do Instituto Aggeu Magalhães, na Fiocruz Pernambuco.
“Do que adianta anunciar novas vagas se os pais ficam na mão durante duas semanas no mês, todo mês? Se os pais não podem trabalhar, porque de repente não tem aula?”, questiona Ana. Aqui, ela mora com o marido e com o filho de um ano e oito meses e não têm rede de apoio, com isso sua rotina fica ainda mais desafiadora.
“Botamos nossos filhos na creche, porque precisamos trabalhar e é um absurdo a gente chegar e não ter a creche. Como é que a gente fala isso para o empregador ou para um chefe? É um assunto, eu acredito, complexo, porque as famílias têm muitas realidades, muitas famílias diferentes e muitas realidades diferentes. Mas se as famílias deixam seus filhos na creche é porque precisam”, destaca Ana.