por Géssika Costa, do portal Olhos Jornalismo

A Braskem, empresa responsável pelo crime ambiental que afundou cinco bairros da capital alagoana e afetou diretamente a vida de 60 mil pessoas que tiveram de deixar suas casas, lançou esta semana a terceira edição do seu edital “social”.

A ação foi apresentada paralelamente ao retorno dos trabalhos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Braskem, que retornou nesta terça-feira (07), ao plenário do Senado Federal. Vale lembrar que, na agenda dos senadores, estão previstas amanhã (08), visitas às minas de sal-gema e à Central de Monitoramento, em Maceió, além de uma reunião com as procuradoras da República, responsáveis pelas ações relacionadas ao afundamento do solo.

No site oficial do edital, a petroquímica parece esquecer do problema que causou. Nele, a empresa alega que têm o propósito de melhorar a vida das pessoas, criando soluções sustentáveis e defende, ainda, que, atua em linha com os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU para 2030 e que assume novos compromissos com as pessoas e com o planeta.

“Um desses compromissos está ligado à responsabilidade social e aos direitos humanos, no qual queremos ser reconhecidos pela promoção aos direitos humanos e a equidade em nossa cadeia de valor e contribui para o desenvolvimento local das comunidades com a qual nos relacionamos”, diz o texto.

Moradores e membros da sociedade civil ouvidos pela reportagem doOlhos Jornalismodisseram queo lançamento do edital representa uma afronta a dor e ao trauma vivido pelas famílias e empreendedores dos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol que tiveram de deixar seus imóveis para trás devido ao crime.

Para a ativista, hacker e fundadora do Observatório do Caso Braskem, Evelyn Gomes, o que a bilionária do setor de plástico lançou pode ser definido como greenwashing – um termo em inglês que pode ser traduzido como “lavagem verde” e é praticado por indústrias públicas ou privadas, organizações não governamentais e até governos. Na prática, uma tática de marketing, para promover discursos, ações e propagandas sustentáveis que, ironicamente, só se sustentam na teoria. 

“É uma óbvia ação de greenwashing. Quando você pensa no nome ‘Projetos que transformam’ – que tem com o propósito de melhorar a vida das pessoas, a gente já cria um paradigma. Porque a gente está falando da empresa responsável e que se assumiu como responsável por tudo que aconteceu”, relembra a hacker, em alusão ao depoimento de Marcelo Arantes, vice-presidente Global de Pessoas, Comunicação, Marketing e Relações com a Imprensa da mineradora que admitiu, em 10 de abril, que a empresa era a culpada pelos problemas relacionados ao processo de instabilidade do solo.

Além dos contrastes, para a ativista, o valor do edital a ser distribuído entre as iniciativas contempladas – que pode chegar até R$50 mil – não é capaz de contribuir significativamente com nenhuma solução de maneira prática, tampouco representar todos os danos causados à cidade.

“Tem outros pontos bem problemáticos: um valor muito baixo, de R$50mil, que a gente sabe que é impossível pagar bons projetos. Esses projetos não vão ter capacidade de solução efetiva. Eles vão ter capacidade de uma solução criativa. Quando a gente vai olhar os ganhos de uma petroquímica, como essa, é um absurdo oferecer esse valor. É só mais uma ação degreenwashing, para tentar limpar o seu nome como uma solucionadora, sendo que, na verdade, ela é uma causadora do problema e não tem como ela seguir os objetivos da ONU, né? Sendo o que é: uma petroquímica que destrói cidades, que danifica o meio ambiente, que não tem segurança efetiva”, pontuou Gomes.

Uma das 60 mil vítimas da Braskem, Luciana Ciríaco, ex-moradora do bairro do Pinheiro, também chama a atenção para a construção da narrativa contraditória da empresa, a partir da apresentação do “Projetos que transformam”.

“É como se houvesse uma preocupação com desenvolvimento sustentável, com o meio ambiente, com problemas socioambientais, enquanto é tudo contraditório, porque ela nunca foi exemplo para questões de cuidados ambientais. São cinco bairros totalmente devastados. Hoje, várias famílias, como a minha, tiveram que deixar suas residências e receber uma indenização que não está de acordo, se contentar com aquilo, na verdade, se conformar”, ressalta a ex-moradora.

Isadora Padilha, do Instituto Ideal de Desenvolvimento Sustentável em Alagoas, comenta que o edital em questão coloca outros municípios de Alagoas, como Coqueiro Seco e Marechal Deodoro e outros dois estados do país, no mesmo patamar que Maceió, que sofre com as consequências da exploração de sal-gema. “Em nenhum outro lugar, ela causou o que ela causou aqui. E não é qualquer coisa o que ela causou aqui. É o que é considerado hoje o maior desastre socioambiental em curso numa área urbana no mundo. Então, se for olhar os municípios, inclusive, que ela coloca no edital, os alagoanos, são justamente o que fazem parte do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM), que foi afetado pela questão da subsidência e ao afetar, embora a localização precisa diretamente afetada seja em Maceió, afeta a lagoa e o Complexo”, afirma.

Ao lembrar das ações mitigadoras daFundação Renova, entidade responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), Padilha destaca a inércia da Braskem para promover atividades que possam amenizar os efeitos dos problemas na capital.

“Em Minas, as ações ambientais, sociais, culturais foram feitas com base na mitigação, com editais específicos para ações em relação aos danos causados. E até agora, aqui em Alagoas, isso não aconteceu. Os valores, inclusive, não são condizentes, e as tendências de mitigação poderiam ser extremamente variadas e amplas, a fim de englobar patrimônio cultural, meio ambiente, mobilidade etc”, argumenta a representante do Instituto Ideal.

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