Depois de cinco meses de embates com o agronegócio, o governo federal conseguiu nesta segunda-feira (15 de dezembro) aprovar o Plano Clima, que traz diretrizes para o combate à mudança do clima no país, com metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para os principais setores da economia que colaboram com o problema. O documento foi chancelado em reunião do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) depois que foram feitas concessões ao setor responsável pela maior fatia das nossas emissões.

O conjunto de documentos, chancelado hoje em reunião do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), chegou a ser travado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que, apesar de ter participado de sua concepção inicial, cedeu às pressões do setor que não gostou de ver, vinculada às suas metas, a redução do desmatamento.

Na reestruturação do plano, essa responsabilidade foi compartilhada com outros ministérios e as emissões de desmatamento foram desmembradas em outros dois setores. Também foram incluídos, de modo mais evidente, instrumentos econômicos para incentivar a mudança necessária no comportamento do produtor rural, como explicou à Agência Pública Aloisio Melo, secretário de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e a pessoa à frente da estratégia de mitigação do país.

O plano original, divulgado para consulta pública em julho deste ano, inovava na forma de medir o peso do setor nas emissões brasileiras. Em vez de contabilizar apenas as emissões diretas, como as provenientes da fermentação entérica do gado e do uso de fertilizantes, por exemplo, incluía também as que ocorrem por causa do desmatamento em áreas rurais privadas e também em assentamentos de terra e territórios quilombolas. O entendimento era de que, uma vez que esse desmatamento está vinculado à atividade econômica da agropecuária, cabe, portanto, ao setor resolvê-la. O agro chiou e levou.

No inventário oficial de emissões do país, que segue metodologia internacional definida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), todo o desmatamento do é contado dentro da categoria de mudança do uso da terra independentemente de onde ocorra. E essa é a nossa principal fonte de emissões de gases de efeito estufa. Cerca de metade do que foi emitido pelo país em 2022 foi por desmatamento.

Já no cálculo feito no Plano Clima, com o objetivo de atribuir responsabilidades aos emissores a fim de que eles possam tomar medidas para reduzi-las, o desmatamento dentro das terras produtivas foi atribuído ao setor, que passou a responder pela maior fatia de emissões 68% de tudo o que foi emitido no país em 2022. Com isso, também coube ao agro a maior parcela de redução de emissões entre as atividades econômicas 54% até 2035, na comparação com os números de 2022.

A ideia do governo era que o Plano Clima fosse publicado até a COP30, como uma prova de que o país está comprometido com o combate à mudança do clima. No fim do ano passado, o Brasil havia apresentado suas novas metas numéricas: um compromisso de reduzir as emissões entre 59% e 67% em 2035, na comparação com os níveis de 2005. O Plano Clima é quem traz a receita de como isso vai ser alcançado.

Em agosto, entidades ligadas ao agro começaram a se rebelar. Após reunião com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), disse: Estão atribuindo ao setor emissões que não são de sua responsabilidade e impondo metas desproporcionais, enquanto deixam de contabilizar o que preservamos e sequestramos de carbono.

Começava ali uma operação para mudar o plano, com o objetivo principal de que nada das emissões ligadas ao desmatamento tivessem a ver com o setor agropecuário. A pressão se seguiu ao longo dos meses, chegando a impedir que o Plano Clima fosse de fato publicado na COP30. Houve o temor de que acabasse não vingando.

A saída do Ministério do Meio Ambiente foi reacomodar as emissões de modo a, se não ceder tudo ao agro, pelo menos garantir que eles não terão de fazer tudo sozinhos. Na nova versão, consta que o setor de agricultura e pecuária emitiu 643 milhões de toneladas de CO em 2022, o que equivale somente às emissões diretas. A versão original considerava que haviam sido emitidas 1,39 bilhão de toneladas pelo setor, contando o desmatamento.

A diferença foi realocada em dois novos setores. Um chamado mudança do uso da terra em áreas rurais privadas, que ficou com 352 milhões de toneladas de CO. E outro chamado mudança do uso da terra em áreas públicas e territórios coletivos, que passou a abrigar as emissões provenientes de desmatamento em assentamentos rurais da reforma agrária e territórios quilombolas, respondendo por 448 milhões de toneladas.

A estratégia nacional de mitigação e os oito planos setoriais que compõem o Plano Clima serão publicados nesta terça-feira (16), no Diário Oficial da União, mas algumas informações já estão disponíveis.

A diferença principal ocorre na atribuição das responsabilidades pelas políticas públicas e incentivos para ajudar cada setor a cumprir suas metas de redução (respectivamente 7%, 110% e 156% nos cenários mais ambiciosos, até 2035). Sim, o agro, que sozinho tinha antes uma responsabilidade direta de fazer um corte de 54%, agora tem só de 7%. O resto vai ser dividido com outros atores.

Como era

Como ficou

Enquanto, no caso das emissões diretas, caberá aos ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e da Pesca promover práticas para aumento da eficiência e técnicas menos emissoras, conhecidas como agricultura de baixo carbono (como as do plano ABC+); os setores de mudança do uso da terra terão também um empenho do Ministério do Meio Ambiente e até da Casa Civil para propor incentivos.

O que a gente constatou isso é que o Mapa sozinho, na verdade, ninguém teria todos os instrumentos necessários para incentivar a mudança de comportamento dos produtores rurais no que se refere à manutenção de excedente vegetação nativa, recuperação dos passivos de vegetação nativa e também dos incentivos para dar destinação às terras degradadas, explicou Aloisio Melo.

Então, foi uma visão de que teria que ter uma ação conjunta que envolve instrumentos que são relacionados sim à política agrícola, tradicionalmente, também à política de agricultura familiar, porque parte das áreas privadas é de agricultura familiar, mas também instrumentos associados a incentivos da política ambiental, disse.

Ele citou como exemplo de incentivos o pagamento por serviços ambientais e o Eco Invest, programa criado pelo governo federal para impulsionar investimentos privados em projetos relacionados ao clima, que teve recentemente um leilão para a recuperação de áreas degradadas.

São programas que já existem ou que estão sendo desenvolvidos justamente para incentivar o setor a reduzir suas emissões, e eles continuariam disponíveis mesmo que a responsabilidade pelas emissões do desmatamento em áreas produtivas ficassem todas com o agro. Mas para o Plano Clima passar, foi necessário deixar mais explícito o que estará à disposição do setor e como ele terá ajuda para alcançar suas metas.

Questionei Aloisio Melo sobre se, na prática, o que acabou aumentando não foi a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente em ajudar o setor. Eu diria que a gente [MMA] assumiu formalmente que a gente é parte dessa solução. Mas se olhar para os imóveis rurais, eles têm esse desafio [de reduzir as emissões diretas], mas tem esse outro desafio que hoje são as 350 milhões de toneladas de emissões que ocorrem nas áreas privadas [por causa do desmatamento a tal mudança do uso da terra em áreas rurais privadas], que vão ter que chegar em 2035 como remoção líquida. Isso também é responsabilidade do setor, das áreas privadas, seja de médios e grandes produtores, seja dos agricultores familiares. Isso também vai ser olhado como resultado do setor.

Importante, de todo modo, que agora o país tem um caminho traçado de como vai reduzir suas emissões nos próximos anos. A ver como vai funcionar na prática.

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Agência Pública - Governo consegue aprovar Plano Clima após diluir responsabilidade do agro