“Até eu vou começar a fumar depois dessa”, comentou uma jovem em postagem de divulgação de uma festa voltada aos alunos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no estado de São Paulo. A publicação dizia que no evento seriam distribuídos, “para aquecer os pulmões”, cigarros de palha, descritos como “a maior saudade de todos os tempos” pelos organizadores.
A distribuição gratuita de produtos de tabaco é proibida, mas apuração da Agência Pública revela que fabricantes de palheiros têm firmado parcerias de marketing que consistem em enviar gratuitamente seus produtos – que, vale lembrar, causam dependência – a jovens, em busca de novos consumidores.
Exemplos de ações de “degustação” de cigarros de palha puderam ser identificados em cerca de 130 festas universitárias envolvendo seis fabricantes de cigarros de palha, entre elas a Puro Pito, em Minas Gerais, e a J&L, em Goiás. A marca que mais se destacou nesse universo foi a Palheiros Paulistinha, que, por ter atuação em pelo menos cinco estados, virou foco prioritário que guiou o levantamento feito pela Pública. Com ele, a reportagem identificou a distribuição de produtos da marca em 108 eventos em 26 municípios.
Por que isso importa?
- Propagandas de produtos relacionados ao fumo são proibidas no Brasil e ações de marketing, mesmo indiretas, são passíveis de punição pelos órgãos reguladores
- Mesmo não obrigados a conhecerem as restrições legais, os estudantes que promovem festas podem ser considerados coresponsáveis pela ação ilegal
A Pública identificou festas em que houve distribuição gratuita de palheiros a partir dos rastros digitais das peças de divulgação dos eventos. Considerando apenas a Palheiros Paulistinha, há indícios de que a empresa enviou produtos gratuitamente aos organizadores das festas universitárias em pelo menos 82% dos eventos levantados desde 2022. A ação de marketing é proibida por lei desde os anos 2000, quando a legislação brasileira baniu “a distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde” de produtos de tabaco, além do patrocínio a eventos culturais ou esportivos por parte da indústria do fumo. A única forma de propaganda permitida para produtos fumígenos desde então é a exposição nos pontos de venda.
Uma reprodução de tela obtida pela reportagem sugere que a Palheiros Paulistinha saberia que a prática é ilegal. Uma mensagem enviada de um número associado à empresa para um estudante interessado em receber cigarros gratuitos para um evento no final de 2022 informa: “pela lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996 somos limitados a fazer qualquer tipo de parceria, patrocínios, propaganda de nossa imagem e envios de presentes (mimos) devido a característica de nossos produtos. Porém, temos uma forma de ajudar em eventos universitários, vou lhe enviar as regrinhas”. O número do qual a mensagem teria sido enviada é o apontado oficialmente como atendimento ao consumidor da empresa, na página do Facebook e em postagens da companhia.
A empresa instrui então o estudante a enviar o link do evento no Facebook. A Pública apurou também que, para receber os cigarros, os estudantes precisariam seguir o perfil da companhia no Instagram. Festas com distribuição de palheiros foram realizadas em São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.
A Associação Atlética Acadêmica da Química da Unicamp, após contato da Pública, afirmou que teve “ajuda para eventos universitários” da Palheiros Paulistinha em três festas. Segundo eles, foi exigido que o grupo tivesse ao menos 200 seguidores e conseguisse 60 para a antiga conta da marca de cigarros de palha e, então, foram recebidas três caixas de cigarro “de forma totalmente gratuita”. Em nota, os estudantes alegaram também ter recebido a mensagem, encaminhada pelo número atribuído à empresa, citando a lei que proíbe ações de marketing, mas alegaram ter entendido que “a tratativa não seria ilícita tendo em vista que a própria empresa citou a lei”.
“A amostra grátis, em qualquer segmento de mercado, é para a pessoa experimentar o produto, conhecer, e, se gostar, consumir. Só que, no caso do cigarro, não é só gostar, é a dependência que está ali no processo”, afirmou Tânia Cavalcante, médica doutora em oncologia e ex-secretária da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq), órgão responsável por elaborar políticas públicas sobre o tema. “Eles buscam capturar jovens para a dependência”, afirmou.
Cavalcante considera que a distribuição de palheiros em eventos universitários “é uma estratégia de marketing dessa vertente de cigarros para tentar passar despercebido da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e dos órgãos de fiscalização”.





