Quilombo Quingoma (BA) na mira da especulação imobiliária
Símbolo de resistência da população negra, o Quilombo Quingoma, reconhecido como um dos mais antigos do Brasil, com registros de atividades que remontam a 1569, localizado em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador (RMS), sofre com diversas situações de violência, racismo e injustiças ambientais.
Embora seja certificado como território quilombola desde agosto de 2013 pela Fundação Cultural Palmares (FCP) e integre a Área de Preservação Ambiental (APA), o processo de regularização fundiária foi paralisado em 2015 no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Sem essa segurança jurídica da posse da terra (direito garantido por lei internacional, nacional e estadual) para os quilombolas, muita gente, incluindo o poder público, finge que a área não pertence a ninguém. A condição de vulnerabilidade em que o Quingoma se encontra faz com que o governo estadual projete a área como zona de expansão urbana da sua capital, por parte do município, buscando acelerar o desenvolvimento através de investimentos ligados a processos de grilagem e especulação imobiliária de grande escala.
Entre eles, destacam-se a implementação da Via Metropolitana, inaugurada em 2018, sob a responsabilidade do consórcio privado Bahia Norte com o apoio do governo estadual – conectando as rodovias BA-526 (CIA Aeroporto) e BA-099, cujo traçado corta a área do território -, e o empreendimento Joanes Parque, da MAC Empreendimentos Imobiliários, que foi licenciado pela prefeitura em 2023. Promovido como bairro sustentável, as obras em atividade estão tomando trechos de mata atlântica da APA Joanes-Ipitanga.
E não para por aí: em 2022, nas terras pertencentes ao Quingoma, foi inaugurado o Hospital Metropolitano de Lauro de Freitas; postos de gasolina também são construídos nas imediações e até o Esporte Clube Bahia, por intermédio do Grupo City, tentou comprar um terreno para a construção do novo Centro de Treinamento, “com dimensão mundial”, do time. Desistiram depois que a Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), Defensoria da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF) recomendaram resguardar os direitos do Quingoma, ou, em bom baianês, receberam gentilmente o convite de ‘se picarem’ [irem embora logo] da propriedade.
Como se não bastasse todos esses desafios enfrentados pelos quilombolas, suas lideranças e membros da comunidade estão sofrendo ameaças de morte. Episódio similar ocorreu em 2023 com Mãe Bernadete, ialorixá e líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, assassinada brutalmente por proteger seu território.
“Com o movimento de retomada de identidade e reivindicação das nossas terras ancestrais, chamamos a atenção do estado e da prefeitura, e essa visibilidade teve um lado negativo. Eles não enxergaram unicamente as pessoas, e sim a oportunidade de fazer negócios e perpetuar o genocídio da comunidade”, relata Rejane Rodrigues, liderança no Quingoma que atualmente vive reclusa sob medida protetiva. Ela é firme ao reiterar que o quilombo não está à venda e segue, junto ao coletivo, tecendo estratégias que fortaleçam a identidade e manutenção das práticas tradicionais quilombolas, além de pressionar o poder público pela titulação do território.
