Conheça a história e a luta de Catucá, o maior quilombo de Pernambuco

Por Marco Zero

No século XIX, Pernambuco abrigou um dos quilombos mais importantes da história do Brasil. Espalhados da margem da fronteira agrícola da Zona da Mata Norte até os subúrbios do Recife, os integrantes do Quilombo do Catucá constituíam uma comunidade com grande mobilidade e formada por diversos núcleos dentro das matas da floresta do Catucá, mata que começava nos limites do que hoje é o oeste da Região Metropolitana do Recife, seguia até os mangues e rios da Ilha de Itamaracá, cortava o povoado de Tejucupapo, em Goiana e chegava até a fronteira com a Paraíba. 

Neste texto, a Marco Zero pretende contar um pouco da história do Catucá, sua presença no imaginário e na cultura pernambucana, além das iniciativas de negros e negras para serem reconhecidos como descendentes quilombolas e herdeiros da história do quilombo.

Não é possível mapear precisamente a extensão do Catucá, uma vez que ele foi um quilombo itinerante que ocupou uma vasta extensão da província de Pernambuco. No entanto, de acordo com os estudos historiográficos, o centro do quilombo estava localizado entre as matas dos engenhos Timbó e Monjope, na extensão de Paratibe, em Paulista e no Recife, em um terreno acidentado conhecido como Cova da Onça, onde hoje existe o bairro do Curado III

A data de fundação do quilombo também não é precisa, mas os registros presentes no levantamento feito pelo historiador pernambucano Marcus Joaquim M. de Carvalho, apontam que o Catucá passou a existir às vésperas da independência, durante a Revolução Pernambucana de 1817, quando os escravizados se refugiaram nas matas. 

A floresta do Catucá era cortada pelas estradas que levavam gado e algodão dos distritos de Bom Jardim, Limoeiro e Nazaré para o Recife, ou para Goiana, importante entreposto comercial na Zona da Mata. Os caminhos do gado abriam grandes clareiras nas florestas e com o tempo transformaram-se em largas estradas de terra batida. Da área canavieira, circundando Goiana, Igarassu e Itamaracá, seguia açúcar para o Recife, principalmente pelo mar. Mas muitas estradas menores ligavam a capital e os povoados da área de maior densidade populacional da província, onde transitava uma população livre bastante diferenciada. As comunicações entre o porto do Recife e o hinterland [termo alemão usado como sinônimo de sertão ou interior] da Zona da Mata seca passavam, portanto, perto do quilombo. A situação era ideal para os ataques dos quilombolas.

Trecho do artigo O Quilombo de Catucá em Pernambuco, de Marcus Joaquim M. de Carvalho

Apesar da constante repressão das autoridades da província, os integrantes do Catucá – formada em sua maioria por negras e negros escravizados e fugitivos, mas com registros que apontam para integração também de pessoas brancas (que, para o historiador Marcus Joaquim, podem ser pessoas pardas que, a época, se identificavam como brancas) – não se limitaram a formar uma sociedade alternativa isolada na floresta. “Catucá, portanto, está entre os quilombos do Brasil oitocentista, que tinham por base essas cumplicidade entre escravos de engenho, quilombolas e a população livre e liberta local, mormente os não proprietários dos meios de produção”, destacou Marcus Joaquim. 

Os quilombolas promoveram ataques aos engenhos, comerciantes e às casas de moradores que ficavam próximas às matas. As ações violentas ou de rebeldia levaram as autoridades a organizarem expedições punitivas contra os quilombolas que resultaram na morte e na captura de muitos deles. O quilombo de Catucá, e seus diversos núcleos, viveram sob ataques e resistência durante anos. 

O quilombo renascia sempre que as elites se dividiam, e sofreu seus maiores revezes quando a classe senhorial estava unida. Ele cresceu com as disputas pela independência e a Confederação do Equador, mas foi duramente combatido na segunda metade da década de 1820. Voltou a crescer no final da década, e na primeira metade dos anos 1830, quando várias convulsões agitaram o Recife e o interior, principalmente a Cabanada (1832-1835), no outro lado da província. Terminada a guerra dos cabanos, a repressão voltou-se novamente para a zona da mata seca. O Catucá continuaria existindo como asilo de fugitivos da justiça estatal e senhorial, mas o quilombo, como tentativa de construção de uma sociedade alternativa, foi destruído no final da década de 1830.

Trecho do artigo Marco Zero Conteúdo.