Vinte e dois dias depois da posse de Samir Xaud (25/5), a CBF se tornou parte de articulação milionária que poderá beneficiar o próprio pai do presidente com dinheiro da entidade.
José Gama Xaud, o Zeca Xaud, pai do dirigente, comanda a Federação Roraimense de Futebol (FRF) há 49 anos.
No dia 16 de junho, Zeca Xaud enviou ofício, obtido pela reportagem, para Mikael Wallas, titular da secretaria de estado de educação e desporto (SEED) de Roraima, com a proposta de obter a concessão, por 20 anos, do principal estádio local, o Flamarion Vasconcelos (Canarinho).
A contrapartida da FRF para a SEED pela concessão é uma promessa de R$ 3 milhões em investimentos. Pagos indiretamente através de uma melhoria das instalações. Uma operação triangular, onde uma terceira parte dá o dinheiro para FRF. A terceira parte, de acordo com o ofício da FRF: a CBF. Uma parceria entre FRF e CBF. Em 30 de junho, duas semanas depois de formalizar o interesse no arrendamento do Canarinho, a FRF enviou novo ofício e incluiu outro estádio da capital Boa Vista no requerimento: o Raimundo Ribeiro (Ribeirão).
Sem apresentar uma planilha com os custos do projeto especificados, Zeca Xaud prometeu que a FRF usaria o dinheiro a ser liberado pelo filho para modernizar o estádio.
PAI DE SAMIR XAUD USA NOME DA CBF PARA OBTER CONCESSÃO DE ESTÁDIO MAS CBF AFIRMA DESCONHECER O PROJETO
Questionada pela reportagem sobre financiar um projeto de concessão que tem como beneficiária final a federação comandada pelo pai do presidente, a confederação informou que o projeto ainda não foi apresentado à CBF mas que se enquadra nos objetivos e no orçamento do Palcos do Futebol.
Ou seja, de acordo com a CBF, até o momento, o pai de Samir Xaud negocia um contrato com o governo de Roraima em que a federação que preside passará a ser concessionária de bem público usando o nome da CBF como financiador sem ter consultado a própria CBF.
O Palcos do Futebol citado na resposta é o item do projeto CBF Transforma, em que a entidade investe em melhorias nos estádios.
Na sequência de longa resposta para a reportagem, a CBF diz poder participar do projeto em que está tendo o nome usado, segundo ela sem ser consultada. E que poderá ter participação futura através de projetos de investimentos já existentes na entidade para financiar melhoria de estádios e federações.
Assim, a proposta de eventual cessão do estádio Canarinho pelo Governo à Federação Roraimense, mediante contrapartida de R$ 3 milhões em investimentos que seriam custeados pela CBF por meio do Programa Palcos do Futebol, é totalmente razoável e perfeitamente admissível. No entanto, uma vez que a Federação ainda não apresentou o referido projeto à CBF, só podemos concluir que o ofício referido pelo jornalista dispunha apenas das tratativas iniciais com o governo, visando uma parceria em benefício do futebol de Roraima, respondeu a CBF em nota. Samir Xaud está desde terça-feira em Roraima, onde recebe uma série de homenagens, e estava marcado de comparecer ontem na federação.
FINANCIAR A CONCESSÃO PODE TORNAR CBF PASSÍVEL DE FISCALIZAÇÃO DE PF E MPF
A concessão de estádios para federações é incomum. Recentemente, a federação de Mato Grosso do Sul também manifestou proposta de gestão do Estádio Pedro Pedrossian, o Morenão, em audiência pública realizada na assembleia legislativa local em 17 de junho, onde se discutiu o processo de transferência do estádio da UFMS para o governo do estado.
De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, ser financiador de recursos para exploração de um bem público pode tornar a CBF passível de eventual ação por parte do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal, mesmo CBF e federação sendo instituições privadas. Isso ocorreria porque utilização de recursos para explorar um bem público (como um estádio concedido) pode caracterizar atuação no âmbito de interesse público, sujeitando-as ao controle de órgãos de investigação desde a necessária licitação.
CONFIRMAÇÃO DE AJUDA DA CBF REPRESENTARIA AUMENTO DE 113% NA VERBA PARA FEDERAÇÃO DO PAI DE SAMIR XAUD
Um dos itens da proposta da FRF é a implantação de placar eletrônico. Sem discriminar modelo e preço, apenas informando ser dentro dos padrões do regulamento esportivo mundial e chancelado pela FIFA e pela própria CBF.
A substituição do gramado e plantação de grama na área lateral é outro artigo assinalado, também sem orçamento. E sem garantia de data para ser realizada. O documento afirma apenas que será uma troca gradativa.
O projeto de R$ 3 milhões prevê ainda substituição das traves fixas por traves removíveis e ampliação do banco de reservas.
A conclusão dos objetos de responsabilidade do concessionário deixa o escopo das obrigações ainda mais frouxo, sem estabelecer por contrato, e ao afirmar que demais mudanças serão alinhadas com concedente.
Se vier a ser assinado o acordo de R$ 3 milhões, somente em uma única operação a CBF já iria superar o montante dado em 2024 para a FRF em 113,22%, já que, de acordo com o balanço financeiro da federação, no ano passado a CBF repassou para a entidade R$ 1.407.000,00. Ou seja: em apenas 22 dias de mandato de Samir Xaud, a FRF já tinha a perspectiva de dobrar a verba recebida via CBF.
DE NOVO? ÚLTIMA REFORMA DO ESTÁDIO ACABOU EM 2020 E RECEBEU R$ 33,6 MILHÕES DO GOVERNO FEDERAL
A necessidade de modernização chama atenção, já que a última reforma do Canarinho é recente. Em 2020, depois de ficar 8 anos fechado para o público, com eventuais jogos de portão fechado, o estádio foi reaberto. Com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, o estado gastou R$ 33.689.217,48. (trinta e três milhões, seiscentos e oitenta e nove mil, duzentos e dezessete reais e quarenta e oito centavos).
Incluído no pacote de concessão posteriormente, a proposta da federação para ficar também com o estádio Ribeirão inclui apenas a aplicação da grama que sair do Canarinho, ou seja, sem qualquer gasto. E assim como no estádio maior, o ofício fala que outras modificações e melhorias poderão ser ajustadas em comum acordo com o ente concedente. O Ribeirão também passou por reforma entregue há 2 anos, em 2023, ao custo de R$ 365.697,63 para os cofres do estado.
O uso do estádio Canarinho no estado vai muito além do futebol, assim como as possibilidades de arrecadação.
Utilização para partidas amistosas de particulares, shows e diversos eventos das secretarias são realizados no local ao longo do ano.
No dia 19 de abril, a SEED concedeu o estacionamento do estádio Canarinho para realização de show do cantor Gustavo Lima. No contrato, examinado pela reportagem, está dito que a cessão para a GSA Produções e Eventos, empresa do artista, foi gratuita. Com venda de 18.500 ingressos, exploração de camarotes e bar.
O Estádio Canarinho tem capacidade para 4.500 mil espectadores e o Ribeirão, 3 mil.
Antonio Denarium, o governador de Roraima, tem no prontuário diversas acusações de corrupção e conflitos de interesses. Como a compra de carne do Frigo10, frigorífico do qual o mandatário é sócio, em 2023, em acordo de R$ 3,1 milhões. O Frigo10 também fechou acordo como governo federal na gestão Bolsonaro para fornecer 8 toneladas de contra-filé para o exército.
Denarium é parte de um processo de cassação que está há dez meses parado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já tendo sido cassado quatro vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR) por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022. O julgamento segue suspenso depois de ter sido retirado de pauta pelo TSE.
Ao longo dos anos, o político bolsonarista foi algo de denúncias de grilagem de terras, favorecimento do garimpo ilegal e extermínio da população indígena de Roraima.
A reportagem enviou questões também para a Federação Roraimense de Futebol e para a secretaria de estado de educação e desporto (SEED), ambas sem resposta. Além da resposta inicial, com trechos já citados, a CBF enviou a resposta abaixo:
O Regulamento do programa CBF Transforma, que tem como objetivo fomentar o futebol em todo o território brasileiro, é claro ao estipular cooperação com Federações e clubes filiados, com base na realidade e nas necessidades específicas de cada região do País. O estádio Canarinho é a casa do futebol roraimense, portanto é lógico que seja alvo de investimento do subprograma Palcos do Futebol. Fica evidente que é muito mais apropriado reformar um estádio que já existe do que buscar alternativas. Outras federações já sinalizaram o desejo de convênios com Estados ou Municípios para cessão de equipamentos públicos. Nesse cenário, a CBF, como investidora, precisa de garantia de uso desses estádios por períodos determinados em contrato. Por fim, convém acrescentar que o assunto em questão ainda é um projeto da FRF. A comunicação levantada pela reportagem foi apenas uma consulta à Secretaria de Estado de Educação e Desporto (SEED) do Estado que não foi nem sequer formalizada junto à CBF.
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