A concessão das Linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) à iniciativa privada tem gerado diferentes incertezas entre os passageiros da Grande São Paulo.
O contrato foi assinado em 22 de maio com a empresa Trivia Trens S.A., do Grupo Comporte, vencedora do leilão do Lote Alto Tietê, promovido pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em março deste ano.
A partir da assinatura, a Trivia tem até 60 dias para cumprir exigências contratuais. Na sequência, inicia-se a fase pré-operacional, com duração de até 12 meses, prorrogável por mais seis ou reduzida caso a empresa comprove capacidade para assumir as operações.
Durante esse período, a CPTM permanece responsável pela operação e manutenção das linhas.
Entre os passageiros, há dúvidas sobre a qualidade do serviço, eventuais aumentos de tarifa, estabilidade dos empregos e a continuidade de greves.
Passageiros voltando de São Paulo e subindo as escadas da Estação Suzano @Carlos Pires/Agência Mural
O caso do acidente na estação Campo Limpo da Linha 5–Lilás do Metrô, operada pela ViaMobilidade, é frequentemente citado como exemplo negativo. Em maio, um homem de 35 anos morreu após ter ficado preso entre a porta de segurança e a do trem na estação, levantando questionamentos sobre a gestão privada.
A professora Lúcia Helena, 22, expressou indignação ao saber da concessão. Ela disse desconhecer os detalhes do processo, mas se mostrou contrária à administração de serviços públicos essenciais por empresas privadas.
“O homem morreu [caso citado acima] e a única preocupação foi limpar o sangue antes da chegada da polícia”, relatou a professora. “Isso já diz muito sobre o que pode significar a ‘privatização’. Se isso acontece em um serviço privado, pode acontecer em qualquer lugar. Não vejo como isso pode beneficiar a população.”
O técnico em enfermagem Henrique Cleber, 23, é um entre os mais de 40 mil usuários que passam diariamente pela Estação Suzano – uma das que serão operadas pela nova concessionária, que terá contrato de 25 anos, segundo a SPI (Secretaria de Parcerias e Investimentos).
Passageiros embarcando e saindo da Estação Suzano @Carlos Pires/Agência Mural
Ele avalia que a mudança pode causar mais transtornos do que melhorias, especialmente nos horários de pico e no preço das passagens.
‘Agora que foi privatizado, só vamos saber na prática se vai funcionar, mas a expectativa é de mais transtornos para os passageiros, como aconteceu na última obra na estação Suzano’
Henrique Cleber
A obra mencionada por Henrique ocorreu logo após o Grupo Comporte vencer o leilão em março de 2025. No dia 9 de abril, a CPTM identificou desgaste na estrutura da ponte ferroviária entre as estações Suzano e Jundiapeba, provocado pelas chuvas na região.
A circulação foi interrompida no trecho, exigindo baldeações em Suzano para quem seguia em direção a Luz ou Mogi das Cruzes. A operação só foi normalizada em 19 de maio, após 46 dias.
Henrique também se diz preocupado com os trabalhadores da CPTM.
“Ouvi de um maquinista que eles estão receosos de perder o emprego. Pode ser que haja demissões em massa, haverá mais desemprego”, comentou.
Em abril, circulação foi interrompida e baldeações foram necessárias na Estação Suzano por conta de problemas em ponte ferroviária @Carlos Pires/Agência Mural
Modernização, greves e expectativas
Apesar das críticas, há quem veja a concessão como uma oportunidade de modernização. A enfermeira Ana Carolina, 38, cita a Linha 4-Amarela, operada pela ViaQuatro, como exemplo positivo.
“Lá, a população se comporta e é bem atendida. Vamos ver se agora haverá alguma vantagem. O serviço precisa beneficiar quem trabalha, quem usa vale-transporte, quem paga imposto. Tem que trazer retorno para o nosso bolso”, afirmou.
40 mil usuários usam a estação Suzano diariamente @Carlos Pires/Agência Mural
A possibilidade de redução das greves também divide opiniões. Nos últimos anos, funcionários da CPTM e do Metrô organizaram paralisações por reajustes salariais e, mais recentemente, por críticas às concessões. Em 25 de março, uma nova paralisação foi anunciada, mas suspensa após acordo com o governo.
O estudante Cláudio Almeida, 24, acredita que as paralisações tendem a diminuir com a gestão privada. “O setor estatal tende a ser mais defasado porque o poder público é meio corrupto. O recurso que deveria ser investido aqui acaba sendo desviado. O setor privado tem mais fiscalização e é mais cobrado, tanto pelo Estado quanto pela sociedade. Dessa forma, não haverá greves”, opinou.
Quem é o Grupo Comporte
Apesar das promessas de investimento, o histórico do Grupo Comporte levanta preocupação entre trabalhadores e passageiros. Desde 2023, o grupo administra o metrô de Belo Horizonte, alvo de denúncias por parte de usuários e do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais. Entre os problemas apontados estão demissões, falhas operacionais, intervalos maiores entre os trens e redução da frota.
A empresa é administrada pela família do empresário Nenê Constantino, fundador da Gol Linhas Aéreas e controla empresas como Viação Piracicabana, Expresso de Prata, Expresso Itamarati e administra o metrô de Belo Horizonte. Também opera o VLT entre Santos e São Vicente, é responsável pela futura linha do Trem Intercidades São Paulo-Campinas e atua com os aplicativos Mobile Fácil e 4 Bus.
Moradores aguardam mudanças após privatização em estação da linha 11 @Carlos Pires/Agência Mural
O Sindicato dos Ferroviários de São Paulo teme que a mesma situação se repita no Alto Tietê. Para o vice-presidente da entidade, Múcio Alexandre, 70, o serviço pode piorar, com aumento de tarifas e exclusão de parte da população do acesso ao transporte.
‘A experiência de Belo Horizonte é preocupante e o grupo não apresentou diferenciais que indiquem melhorias em São Paulo’
Múcio Alexandre, presidente do Sindicato dos Ferroviários
Segundo ele, o modelo de concessão adotado pelo governo estadual pode acentuar desigualdades. “O Alto Tietê depende fortemente das linhas de trem. O que vemos nas outras privatizações é precarização, aumento de tarifas e exclusão do direito ao transporte digno”, completou.
Procurada pela Agência Mural, o Grupo Comporte não respondeu diretamente sobre as críticas relacionadas à operação em Belo Horizonte. A empresa informou que a política tarifária é responsabilidade do governo estadual, e não da concessionária.
O sindicato afirma que tem buscado alternativas para evitar impactos negativos sobre os trabalhadores.
“Estamos atuando em várias frentes, seja jurídica, política e institucional. Buscamos a mediação do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região), pressionamos o Governo do Estado e articulamos com a Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). Não aceitaremos que os trabalhadores paguem a conta de uma política de privatização que não serve ao povo paulista”, declarou a entidade.
O que muda no transporte sobre trilhos do Alto Tietê?
A concessão prevê um pacote de investimentos de 14,3 bilhões de reais para essas três linhas. Entre as obras previstas estão a construção de 10 novas estações, reforma de outras 24 e a ampliação da malha ferroviária em 22,6 quilômetros. O plano inclui ainda a eliminação de passagens ao nível, substituídas por passarelas, viadutos ou túneis, e a instalação de novos sistemas de sinalização que prometem reduzir o tempo de viagem e os intervalos entre os trens.