Quem é da região dos distritos de São Mateus e Iguatemi, na zona leste de São Paulo, possivelmente já avistou um carro com o logo “Komb’s da Leste” na traseira. Geralmente, o veículo ostenta alguma pintura ou desenho chamativo, tem rodas diferentes, é rebaixado ou conta com alguns outros elementos que o fazem roubar a atenção por onde passa.

Por trás dessas kombis chamativas está um coletivo que funciona como uma rede de apoio para motoristas, que se ajudam nas ruas em casos de emergência no trânsito.

O Komb’s da Leste nasceu em meados de 2014 no Jardim da Conquista, bairro do distrito de São Mateus. Elton Amaral, 41, conhecido como Eltinho, é um dos fundadores e atual tesoureiro do grupo. Ele explica que a ideia veio após passar quase um dia inteiro ajudando outros motoristas com carros quebrados nas ruas.

“Eu tinha uma Kombizinha e sempre quebrava, principalmente com a minha mulher. Todo dia alguém ajudava ela. Aí eu fiz uma promessa que todo carro que quebrasse na rua eu ia ajudar”, relembra. “Chegou um dia que não estava mais trabalhando, só ajudava o povo na rua.”

As Kombis chamam a atenção pelo estilo diferente @Matheus Santino/Agência Mural

Após o acontecimento, ele e mais dois amigos decidiram começar de vez a equipe. Pouco a pouco, o time foi crescendo. “Quando chegou entre 20 e 30 membros, nós oficializamos, colocamos diretoria, tesouraria e registramos certinho”, conta Eltinho.

O grupo virou uma marca registrada na região, com motoristas entrando em contato diariamente para fazer parte. Hoje, contabilizam mais de 200 membros, mas os integrantes cadastrados no geral chegam a 555.

A equipe está presente em toda a zona leste, mas também nas outras regiões da capital, além de cidades da Grande São Paulo, da Baixada Santista e do interior. Motoristas de outros estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, também fazem parte.

Além da solidariedade, eles também se encontram em eventos de amantes de veículos. A Agência Mural acompanhou o coletivo no evento automotivo Garage 02 Club, realizado no Centro de Formação Cultural da Cidade Tiradentes. As Kombis foram exibidas junto com outros carros e chamaram a atenção de crianças e olhares atentos.

Comboio saindo do Iguatemi rumo à Cidade Tiradentes @Matheus Santino/Agência Mural

“Ser Kombeiro é um ideal de vida”

A Kombi nasceu em 1950 e comemorou 75 anos de história em 2025, com diversas gerações e mudanças com o passar do tempo. Transformada em um ícone cultural no Brasil, foram mais de 1,5 milhão de carros do tipo fabricados no país entre 1957 e 2013.

O veículo deixou de ser produzido por não conseguir atender às legislações que entrariam em vigor no ano seguinte, que contava com a obrigatoriedade da instalação de freios ABS e airbags frontais.

Trabalho, amigos e família são algumas das palavras usadas pelos motoristas para descrever o valor que a Kombi tem na vida deles.

Osny Cândido, 52, conhecido como Astronauta diz que “quase que por acidente, virou uma paixão.” Ele conta que já carregou moto duas vezes na sua Kombi, só para tirar uma pessoa que estava em uma pista de noite sozinho. “Nós não medimos esforços para ajudar.”

“Minha Kombi tem galão de gasolina e álcool, como eu viajo bastante, já dei combustível para as pessoas e nunca cobrei ninguém”, ressalta.

Durante o evento automotivo, uma das Kombis teve problema para subir uma rua e todos os motoristas voltaram para ajudar a empurrar, até que todos chegassem juntos ao evento.

“Se estivermos em um evento e tiver um carro quebrado, a gente para. Tem a romaria que nós vamos todo ano, nós seguimos em comboio, se quebrou, nós paramos, ajudamos, não deixamos ninguém na mão. Isso é para nós darmos certo”, diz Ademilson Aparecido, 41, conhecido como Deh, porta-voz do grupo.

As esposas e filhos também acompanham os motoristas. Por ser um grupo tão familiar, os diretores contam que montaram regras rígidas para os membros. “Alguns não concordavam com as regras, saíam e montavam outras equipes. Tá normal, isso não é problema. Cada um fica só onde se achar bem, né?”, diz Eltinho.

As regras são para que o nome do grupo não seja usado de forma indevida, como provocar infrações ou acidentes no trânsito e pedir ajuda do coletivo. Caso um motorista faça algo prejudicial nas ruas, ele é retirado da equipe.

Para além da fraternidade, a atitude também conta. Com o slogan “perua é a vovozinha”, eles dizem que cada carro tem que ter seu estilo. “Um parece um caminhão, outro é rebaixado, tem que ter a cara do motorista”, idealiza Deh.

Eltinho, Fiscal e Deh, membros da diretoria da Komb’s da Leste @Matheus Santino/Agência Mural

Ações sociais

A equipe também atua como uma espécie de ONG na periferia da zona leste. Desde o começo do grupo, eles criaram um trabalho social para ajudar pessoas em situação de rua.

Adilson Batista, 47, conhecido como Fiscal, um dos fundadores e atual presidente do grupo, explica que a ação social com as pessoas em situação de rua vai desde doações de roupas até distribuição de marmitas.

“A gente fazia 400 marmitas por dia. Hoje em dia a gente faz 300, 280 por dia, fora o café da manhã que a gente doa de madrugada. Se ta muito frio, a gente faz chá quente, chocolate e doa para o pessoal. Fora as roupas e cobertores que nós levamos também”, conta.

Grupo tem camisetas e bonés. Venda é destinada a ações sociais @Matheus Santino/Agência Mural

Além da iniciativa com pessoas em situação de rua, o grupo também começou a organizar festas na comunidade em feriados como a Páscoa e o dia das crianças, com distribuição de chocolates, brinquedos e atividades de lazer para as crianças do Jardim da Conquista.

Fiscal conta que todos podem entrar em contato e ajudar, seja comprando, entregando ou da forma que puder. O dinheiro arrecadado com as vendas de camisetas, bonés e outros produtos da lojinha da Komb’s da Leste é utilizado para as ações sociais que o grupo propõe.

Agência Mural

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