Com sequelas de uma dengue hemorrágica, a assistente social Elisângela Maria da Cruz, 48, mora no Jardim São Luís e trabalha no Jardim Ângela, dois distritos da zona sul de São Paulo que estão na lista dos dez mais atingidos pela epidemia da doença, entre 1º de janeiro e 9 de junho deste ano.
Foram registrados 1.828 casos no Jardim São Luís e 3.960 no Jardim Ângela, o maior número da capital no período, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde.
Elisângela contraiu a forma mais grave da doença no fim do ano passado e, meses depois, ainda convive com os impactos físicos. “Fiquei um mês debilitada. E saí dessa dengue que até hoje me deixou com sequelas. Sinto que minha respiração não é mais a mesma, minha imunidade está baixa, minha voz também mudou. Isso mexeu muito comigo.”
A história da assistente social reflete uma realidade que se espalha pelas periferias da cidade. Até o início de junho, São Paulo registrava mais de 52 mil casos confirmados de dengue em 2025. A zona sul concentra cinco dos dez distritos mais afetados: Jardim Ângela, Capão Redondo, Grajaú, Jardim São Luís e Cidade Ademar. Juntos, somente esses territórios somaram 12.287 casos.
Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, seis em cada dez bairros da capital estão em situação de epidemia, cenário caracterizado quando há mais de 300 casos por 100 mil habitantes.
Além das consequências da doença em sua saúde, Elisângela destaca a importância da conscientização, mas lamenta a falta de apoio do poder público.
“Parece que a gente está no fundão da cidade e não estamos sendo vistos. Quando vamos às unidades básicas de saúde, às UPAs ou prontos-socorros, os médicos parecem esgotados, cansados. O atendimento demora muito. É um descaso.”
Unidades de UBSs na região, como a do Novo Jardim, realizam a vacinação contra a dengue @Daniel Santana/Agência Mural
A ausência de ações preventivas, como a aplicação do fumacê, também é apontada por moradores como um agravante. A copeira hospitalar Gabriela Sara Gariglio, 31, diagnosticada com dengue recentemente e também moradora do Jardim São Luís, acredita que faltam medidas efetivas por parte do poder público, mas também critica a falta de cuidado coletivo.
“Acho que a Prefeitura poderia passar com o carro da dedetização pela vizinhança. E a população também precisa se policiar e se cuidar. Já vi moradores aqui na rua com caixa d’água aberta, e ninguém resolve o problema.”
Para Elisângela, as ações de conscientização não podem se limitar aos postos de saúde e hospitais, mas devem se estender a outros locais como centros comunitários e escolas, pois considera que o combate à dengue vai além da saúde pública e envolve educação ambiental e cidadania.
‘Vejo que é uma questão de educação do ser humano em si. A escola não vai ensinar que você tem que jogar o lixo na lixeira. Isso vem de casa. É o básico. Hoje, você anda pelas ruas e vê descarte de sofá, de cama’
Elisângela Maria da Cruz
Outra moradora da região que também enfrentou a doença foi a auxiliar de serviços gerais Jocineide Araújo, 44. Infectada no início de maio, ela aponta a sujeira e o acúmulo de lixo como problemas recorrentes no bairro.
Após a experiência, passou a redobrar os cuidados em casa para evitar novas infecções. “É importante colaborar com a limpeza e fazer a dedetização nas ruas. Não acumular água, manter a caixa d’água bem fechada, tirar os pratinhos dos vasos de plantas. Isso já ajuda bastante”, diz Jocineide.
Pontos de lixo e sujeira espalhadas pelas ruas do Jardim São Luís colaboram com a disseminação do mosquito @Daniel Santana/Agência Mural
Riscos e informação
A pesquisadora Tamara Nunes de Lima Câmara, docente da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em vetores de arboviroses, destaca que a falta de atenção redobrada dos órgãos públicos na prevenção da dengue é uma situação recorrente nas periferias.
Segundo ela, o clima quente e chuvoso nos primeiros meses do ano, somado à escassez de investimentos em ações contínuas de combate à doença, aumenta o risco de transmissão, especialmente em comunidades com maior número de residências e potenciais criadouros do mosquito.
“Por terem mais casas, é comum encontrarmos vasos de plantas, latas e pneus nos quintais. Esses recipientes também são criadouros do mosquito. Logo, são necessários cuidados reforçados por parte do poder público e também da população.”
Tamara defende que o combate à dengue nas periferias deve passar pela educação desde a infância. “Acredito que essa mudança de comportamento não virá de adultos já. As escolas precisam ter esse tipo de ensino. A partir daí podemos ter uma esperança de mudança comportamental da nossa sociedade para controlar o mosquito.”
Carros abandonados na região podem se tornar criadouros do mosquito @Daniel Santana/Agência Mural
O que diz a Prefeitura
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou, em nota, que “mantém monitoramento constante da situação da dengue na capital e que já realizou mais de 6,2 milhões de ações em 2025, entre visitas domiciliares, bloqueio de criadouros e nebulizações”.
Sobre o alto número de casos nos primeiros meses do ano, o órgão destaca que a maior incidência geralmente ocorre entre fevereiro e abril. Além disso, a nota informa que a campanha de vacinação já atingiu cerca de 57% da população, que recebeu a primeira dose, mas ainda registra baixa adesão.
- O QUE FAZER EM CASO DE SUSPEITA
- Procure atendimento médico imediatamente: Não se automedique. Apenas um profissional pode confirmar o diagnóstico e orientar corretamente o tratamento.
- Hidrate-se intensamente: Beba muita água, água de coco, soro caseiro ou isotônicos. A desidratação é uma das principais causas de agravamento da doença.
- Descanse bastante: O corpo precisa de energia para combater o vírus. O repouso é essencial.
- Anote os sintomas e fique atento à evolução: Mantenha um registro da febre, dores e outros sinais para informar ao médico em caso de piora.
- Use medicamentos somente com orientação médica: Paracetamol ou dipirona costumam ser indicados para aliviar a febre e dores. Evite anti-inflamatórios como ibuprofeno e aspirina (podem causar sangramentos).
- Vacine: A população pode e deve buscar a vacinação em duas doses nas UBs e Postos de Saúde nos bairros. A Qdenga, oferecida pelo SUS, é aplicada em um esquema de duas doses, com intervalo de três meses entre as aplicações. O imunizante não foi liberado para pessoas acima de 60 anos
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