“Boa noite! Saí agora da UPA. Não consegui passar [com o médico], pois o sistema caiu. O funcionário tá pegando o nome de todo mundo, um por um, para chamar independente da ordem. Estou voltando pra casa no mesmo estado porque eu não consegui passar”. Essa é a mensagem que o mecânico Pedro Inácio, 20, enviou à reportagem no último dia de 07 de maio, após ir à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, pelo segundo dia consecutivo.

O paciente já havia buscado atendimento na unidade no dia anterior para descobrir o motivo da sua dificuldade para respirar e as dores nas costas. No entanto, foi encaminhado para a UPA Lapa – a quase 7km de distância dali – e, mesmo assim, não conseguiu ser atendido.

Sem atendimento por dois dias, Pedro Inácio decidiu se recuperar em casa @Henrique Pereira de Jesus/Agência Mural

Ao retornar à unidade do Rio Pequeno, o jovem relatou ter enfrentado demora e desorganização no atendimento. “O cara veio chamando pela ficha. Fiquei feliz, porque achei que era minha vez. Na hora que fui ver, era só pra organizar. Já tinha uma hora que eu tinha assinado a ficha. Eles ainda iam organizar para ver se iam me chamar duas horas depois”.

A UPA Rio Pequeno foi inaugurada em abril de 2024 e custou R$ 15,5 milhões aos cofres públicos. A unidade era um pedido antigo dos moradores do bairro.

Na época, a promessa era de que o novo posto médico iria desafogar o sistema de saúde do bairro e redistribuir com melhor qualidade os pacientes que procuram atendimento médico. No entanto, mais de um ano depois da abertura, os relatos apontam o contrário.

“É difícil, né, cara? Já não tem muito o que respirar, o cara tem que ficar andando, porque eu não tenho o carro, aí tem que ficar andando. E se mesmo se tivesse, era perigoso até dirigir”, disse o paciente.

Rotina dolorosa

A situação vivida por Pedro Inácio não é isolada. No mesmo dia, a aposentada Anna Domingues Conceição, 90, também passou por momentos constrangedores na unidade.

Ela chegou ao local às 10h da manhã acompanhada da filha, Marlene Aparecida do Conceição, com um quadro respiratório que demandava atenção imediata. Após idas e vindas entre triagens, exames e consultas, o diagnóstico preliminar só veio às 16h: suspeita de trombose pulmonar.

Mesmo com a gravidade do caso, a realização da tomografia, necessária para confirmar o diagnóstico, virou mais uma batalha para as duas.

Dona Anna ficou sentada no corredor da UPA Rio Pequeno, mesmo com um quadro suspeito de trombose pulmonar @Henrique Pereira de Jesus/Agência Mural

“O médico disse que tinha essa possibilidade de ser uma trombose pulmonar e que ela teria que ir para um outro hospital fazer a tomografia, porque aqui eles não têm a tomografia. Estou aqui aguardando desde às 16 horas para que eles mandem uma ambulância para nos levar até a USP. Agora já são 20h30”, relatou a filha da aposentada, na ocasião.

Além da demora, a falta de estrutura agravou a situação da idosa. Segundo a filha, não havia cama para que a mãe repousasse. A paciente precisou aguardar sentada nas cadeiras do corredor da unidade. Com dificuldade de se locomover, dores, desconforto e a demora de horas para transferência ao Hospital Universitário da USP, acabou urinando na própria roupa.

Marlene Aparecida da Conceição aguardou por cerca de 12 horas com a mãe por transferência para exame @Henrique Pereira de Jesus/Agência Mural

“Não tem uma cama para ela deitar. Para ela ficar se esticar. Ela está sentada numa cadeira toda molhada. Só agora que a minha filha trouxe roupa e fralda para eu poder trocar. Eu não tenho previsão de que hora vamos voltar para casa”, contou a filha, durante a espera na unidade.

Anna e Marlene só conseguiram a transferência para a realização da tomografia às 22h do mesmo dia, 12 horas após chegarem na UPA Rio Pequeno.

“Um lixo. Você paga muitos impostos e na hora que você precisa da saúde, recebe isso. Humilhação, sabe? As pessoas que trabalham aqui nos tratam bem, mas o que eles podem fazer? O sistema não funciona”, finaliza Marlene do Conceição.

Além dos pacientes, funcionários da unidade também relatam sofrer com a superlotação @Henrique Pereira de Jesus/Agência Mural

Unidade entupida

A insatisfação não se limita aos usuários. Pelo menos quatro funcionários da UPA, ouvidos sob condição de anonimato, afirmaram que a situação tem piorado nos últimos meses. A superlotação é apontada como o principal problema.

Diante da alta demanda, os profissionais se desdobram para garantir o atendimento com dignidade, mas o número de pacientes compromete a qualidade do atendimento. Na noite do último dia 19, por exemplo, 65 pessoas aguardavam na fila para conseguir atendimento com o clínico geral. Pacientes já esperavam há mais de 6 horas no local.

O que diz a Secretaria Municipal da Saúde?

Em nota, a SMS (Secretaria Municipal da Saúde) afirma que a UPA Rio Pequeno, gerenciada pela SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), “está com equipe completa para atender à demanda da população da região” e que, em casos de maior complexidade, “há um médico emergencista disponível bem como um cirurgião geral e um ortopedista” em ambos os turnos.

Sobre o caso da Anna Conceição, a SMS afirma que a “paciente foi classificada como caso urgente, inserida na regulação para avaliação de exames e transferida para o Hospital Universitário por volta das 21h40 do dia 7”. No entanto, não respondeu sobre os motivos da demora na transferência.

Já em relação a Pedro Inácio, diz que o paciente “evadiu-se da unidade, o que impossibilitou o monitoramento do tempo total de permanência”

Por fim, afirma que “a gerência da unidade permanece à disposição para prestar esclarecimentos e adotar as providências necessárias.”

Agência Mural

O post Promessa de alívio, UPA nova no Rio Pequeno vira dor de cabeça para pacientes apareceu primeiro em Agência Mural.

Tags:
Saúde | Sobre-Viver

Agência Mural - Promessa de alívio, UPA nova no Rio Pequeno vira dor de cabeça para pacientes